O processo de combate ao COVID-19 obriga a que todos repensem as suas actividades normais e um dos sectores mais afectados é o Ensino. Diz-se com frequência que o Ensino em Portugal continua no séc. XX, porque continua a depender quase totalmente de lápis, caneta, papel e livros.
Entre os anos de 1965 e 1987, Portugal teve a Telescola, um projecto de ensino à distância que tentava resolver a falta de professores do ciclo preparatório (5º e 6º anos) em locais remotos. Desde então, tanto quanto sabemos, não houve mais projectos de ensino à distância em larga escala. Retrospectivamente, talvez tenha sido um erro mas, enfim, são coisas fáceis de dizer à posteriori.
O tele-ensino não é uma coisa nova e os constrangimentos tecnológicos de hoje são muito menores. Nada que se compare, por exemplo com a experiência School of the Air, existente na Austrália desde 1951, quando os miúdos podiam apenas falar com os professores por rádios alimentados a pedais.
À data que este post é escrito, a crise do COVID-19 já fechou as escolas há duas semanas e há uma forte probabilidade de todo o terceiro período do ano escolar ser afectado pela impossibilidade de os alunos irem à escola.
Durante estas primeiras semanas com os alunos em casa foi claro o desnorte da comunidade educativa. Ao contrário do que seria de esperar, grande parte dos professores não está à vontade com a utilização de meios básicos de ensino e colaboração à distância. Observaram-se grandes disparidades, entre:
Nessa perspectiva, aqui estão algumas observações e propostas para minorar o impacto e facilitar o ensino à distância através de tecnologia low-cost.
Neste ponto, há que chamar a atenção de que as ideias e tecnologias aqui propostas vêm de alguém que tem apenas a experiência profissional de tele-trabalho, sendo simultâneamente pai e informático, mas não sendo um especialista em educação à distância.
O tele-ensino deve recorrer às tecnologias estritamente necessárias. Se é certo que cada vez mais famílias têm internet e computador em casa, temos que nos lembrar que a escola não pode deixar alunos para trás, se pertencerem às famílias com mais dificuldades que possam não ter internet ou não ter computadores para todos os elementos.
A necessária contenção orçamental, quer nas famílias quer nas escolas implica uma cuidadosa escolha de ferramentas, também em termos de custo. Não faz sentido obrigar alunos e professores a trabalhar com ferramentas complexas e dispendiosas quando há ferramentas de baixo custo ou custo zero, que permitem fazer o essencial.
O recurso ao papel deve ser mínimo. Os alunos adquiriram os manuais no início do ano e não deverão ser sobrecarregados com a necessidade de imprimir documentação enviada pelos professores.
A avaliação dos alunos terá que sofrer alterações radicais. Na impossibilidade de o professor estar na mesma sala que os alunos para impedir o copianço, os testes deverão passar a ser todos "com consulta". Provavelmente já se devia ter feito esta mudança há muitos anos porque, na vida real, todo o trabalhador do conhecimento tem o Google aberto numa janela do browser. As provas orais e a avaliação contínua terão um papel reforçado.
Entre os anos de 1965 e 1987, Portugal teve a Telescola, um projecto de ensino à distância que tentava resolver a falta de professores do ciclo preparatório (5º e 6º anos) em locais remotos. Desde então, tanto quanto sabemos, não houve mais projectos de ensino à distância em larga escala. Retrospectivamente, talvez tenha sido um erro mas, enfim, são coisas fáceis de dizer à posteriori.
O tele-ensino não é uma coisa nova e os constrangimentos tecnológicos de hoje são muito menores. Nada que se compare, por exemplo com a experiência School of the Air, existente na Austrália desde 1951, quando os miúdos podiam apenas falar com os professores por rádios alimentados a pedais.
Foto: "Miss Molly Ferguson, one of the first teachers" da rádio-escola de Alice Springs
À data que este post é escrito, a crise do COVID-19 já fechou as escolas há duas semanas e há uma forte probabilidade de todo o terceiro período do ano escolar ser afectado pela impossibilidade de os alunos irem à escola.
Durante estas primeiras semanas com os alunos em casa foi claro o desnorte da comunidade educativa. Ao contrário do que seria de esperar, grande parte dos professores não está à vontade com a utilização de meios básicos de ensino e colaboração à distância. Observaram-se grandes disparidades, entre:
- professores que logo organizaram os contactos com os alunos por video-conferência;
- professores que trocavam emails com os alunos;
- professores que dependiam da direcção de turma para enviarem trabalhos através dos pais;
- professores que não tiveram qualquer contacto com os alunos durante duas semanas.
Nessa perspectiva, aqui estão algumas observações e propostas para minorar o impacto e facilitar o ensino à distância através de tecnologia low-cost.
Neste ponto, há que chamar a atenção de que as ideias e tecnologias aqui propostas vêm de alguém que tem apenas a experiência profissional de tele-trabalho, sendo simultâneamente pai e informático, mas não sendo um especialista em educação à distância.
Alguns princípios para o tele-ensino
Numa época em que o tele-trabalho é cada vez mais frequente, as competências de aprendizagem e colaboração à distância devem ser aprendidas também na escola. Assim sendo, o tele-ensino não deve ser apenas um recurso em tempos de lock-down, mas deve passar a ser mais uma das formas de trabalhar.O tele-ensino deve recorrer às tecnologias estritamente necessárias. Se é certo que cada vez mais famílias têm internet e computador em casa, temos que nos lembrar que a escola não pode deixar alunos para trás, se pertencerem às famílias com mais dificuldades que possam não ter internet ou não ter computadores para todos os elementos.
A necessária contenção orçamental, quer nas famílias quer nas escolas implica uma cuidadosa escolha de ferramentas, também em termos de custo. Não faz sentido obrigar alunos e professores a trabalhar com ferramentas complexas e dispendiosas quando há ferramentas de baixo custo ou custo zero, que permitem fazer o essencial.
O recurso ao papel deve ser mínimo. Os alunos adquiriram os manuais no início do ano e não deverão ser sobrecarregados com a necessidade de imprimir documentação enviada pelos professores.
A avaliação dos alunos terá que sofrer alterações radicais. Na impossibilidade de o professor estar na mesma sala que os alunos para impedir o copianço, os testes deverão passar a ser todos "com consulta". Provavelmente já se devia ter feito esta mudança há muitos anos porque, na vida real, todo o trabalhador do conhecimento tem o Google aberto numa janela do browser. As provas orais e a avaliação contínua terão um papel reforçado.
Constrangimentos
Apesar da explosão de facilidade de acesso à informática e à Internet, continua a haver faixas da população com recursos limitados. De forma a garantir que, no imediato, todos os alunos e professores podem trabalhar em regime de tele-ensino, o ideal será que os processos adoptados no imediato dependam apenas de um smartphone com plafond de dados pouco dispendioso. Ainda assim, poderá haver uma pequena minoria de alunos que tenha dificuldades em conseguir estes meios. Na impossibilidade de a escola financiar estes alunos, sugere-se que as associações de pais, por exemplo, organizem recolhas de fundos para remediar estas situações.
A ligação à Internet, como se pode observar, é actualmente uma commodity fundamental para todas as famílias, como a água ou a electricidade. Infelizmente, nem todas as famílias a têm. A médio prazo, seria conveniente que as operadoras tivessem ofertas de plafonds de dados para estudantes, com acesso ilimitado a plataformas de tele-conferência como Zoom, Hangouts, Skype, Jitsi, etc. e às plataformas de apoio ao ensino que estejam, por exemplo, nos domínios ".edu.pt".
A motivação dos alunos terá que ser trabalhada de outra forma. Será impossível a um professor olhar para um aluno e ver se está com atenção. Os alunos terão muito mais facilidade em distrair-se. A política de proibição de telemóveis na sala de aula cairá por terra. O sucesso da educação dependerá de um amadurecimento rápido dos alunos, que terão de aprender a lidar melhor com as distracções para terem sucesso na escola.
A aprendizagem necessária a todos os envolvidos - alunos, professores, gestores e pais não poderá ser feita no modelo "habitual" de formação planeada anualmente e realizada com tempo. Estas competências são necessárias no imediato. É por isso necessário que a aprendizagem se faça ao ritmo próprio de cada um, mas o mais rápido possível, com base na enorme quantidade de tutoriais que existe na Internet, recorrendo aos colegas mais adiantados para orientação.
Tecnologias
Pela sua quase universal presença nas mãos dos jovens, o smartphone deverá ser a ferramenta a adoptar no imediato. No entanto, dada a sua pouca adequação à produção de documentos escritos, convirá substitui-lo a médio prazo por, pelo menos, um tablet com teclado. Idealmente, um laptop barato carregado com software grátis seria a ferramenta de escolha. Infelizmente, a adopção coordenada de uma plataforma deste género implica a criação de mecanismos de subsidiação aos alunos mais carenciados, o que não será concretizável em poucos dias.
Quando às tecnologias para realização do trabalho, uma escolha que salta à vista é o Google Classroom, que integra diversas soluções num só pacote baseado nas várias ofertas de serviços cloud daquela empresa. Adicionalmente, há diversas ferramentas que podem ser melhores e que podem ser usadas independentemente.
A exposição de matéria pelos professores poderá passar pela pré-gravação com screen recorders (OBS, Freeseer, etc.) ou ferramentas de webcast, como (Youtube live, Facebook live, etc.). Algumas ferramentas de video conference calls (Zoom, Skype, etc.) também podem ser usadas para isto, embora possam ter algumas limitações quando a assistência não tem disciplina necessária para gerir adequadamente as suas intervenções. ;-) Devido às prováveis limitações de largura de banda e plafonds de dados de alguns alunos, as exposições em vídeo deverão ser curtas e bastante compactas (evitar vídeos com muito movimento para permitir maior compressão).
O trabalho interactivo dos professores com os alunos poderá ser dividido em audio conference calls (Zoom, Google Hangouts, Skype, etc.) com grupos pequenos de alunos (máximo 10), para que possa ser produtivo. Os grupos pequenos permitirão minorar as dificuldades de comunicação relacionadas com a ausência de contacto visual ou o desconforto provocado pela latência da comunicação electrónica. Nos casos em que todos os alunos tenham acesso a boa largura de banda e plafonds ilimitados, comunicação por vídeo e a partilha de écrans ajudará bastante a comunicação.
A distribuição de fichas de trabalho pelos alunos poderá ser feita através de formulários electrónicos com preenchimento online (Google Forms, etc.)
A produção de documentos e apresentações deverá basear-se em formatos abertos como o OpenDocument, que podem facilmente ser trabalhados como o LibreOffice e o OpenOffice.
O papel dos pais
Os pais, tal como os professores, terão que se adaptar rapidamente à nova forma de trabalhar mas, mais importante, terão um papel crítico na motivação e responsabilização dos alunos. É importante passar-lhes a mensagem de que têm que assumir a sua cota-parte neste processo e têm que colaborar activamente de de boa vontade com os professores nesta mudança. Sabemos como é difícil convencer um jovem a esforçar-se para estar preparado para uma vida profissional longínqua. Os jovens não costumam ter facilidade em planear o seu esforço a tais distâncias. Mas esse é o papel dos pais, mesmo assim.Conclusões
Correndo o risco se se ser acusado de defensor da corrupção, não se pode deixar de referir o programa Magalhães, que há uns anos atrás procurava dar aos alunos os meios que agora fazem falta. Foi pena que acabasse.
Embora se defenda neste post que é possível começar já a trabalhar em regime de tele-ensino para o terceiro período do ano lectivo de 2019/2020, para as condições adequadas será necessário mais algum tempo e investimento. O papel do Ministério da Educação é importante na negociação com operadores de telecomunicações, na criação de protocolos com fabricantes, que ofereçam equipamentos com descontos para estudantes, etc.
Levar este ano lectivo a bom termo e, simultaneamente, adequar o sistema de ensino à realidade do séc. XXI implica um esforço concertado de toda a comunidade educativa. Construir é muito mais difícil do que destruir. A bem dos nossos filhos e dos seus colegas, juntemo-nos no esforço de construção do ensino à distância em Portugal.
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