Avançar para o conteúdo principal

"Porque é que nas TI é este caos?"

Um leitor anónimo deixou esta dúvida existencial, e pede para lhe tentarmos responder:
"Sendo que as TI lidam muitas vezes com assuntos de elevada responsabilidade, como saldos bancários, impostos, cobranças, porque é que "virtualmente" qualquer pessoa pode trabalhar em TI desde que "desenrasque" o serviço?

Um contabilista, um electricista, um arquitecto e tantos outros é-lhe exigida legalmente uma certificação para exercer a sua profissão.

Porque é que nas TI é este caos?"

Vamos lá então responder. Por onde começar? :-)

A imaturidade da indústria

Como se poderia certificar legalmente um informático? Com que standards? Com que tecnologias? A verdade é que as TI são uma indústria de poucos consensos. Mas há boas razões para isso. Nas TI "o pó ainda não assentou" e não parece que vá assentar rapidamente. A indústria é recente (tem cerca de 50 anos) e move-se muito rapidamente. Ao contrário da Arquitectura (milhares de anos), da Contabilidade (cinco séculos), ou da Electrotecnia (mais de um século).

A velocidade da evolução tecnológica

Mesmo que se chegasse a acordo sobre a forma de certificar legalmente um informático (e há milhentas certificações alternativas disponíveis hoje mesmo) dificilmente poderíamos confiar num técnico com uma certificação legal de mais do que um par de anos. Um dos maiores problemas nas certificações das TI é que, das duas uma: ou são duráveis porque são muito teóricas e pouco úteis, ou são práticas e não duram mais do que três ou quatro anos.

A falta de recursos humanos

Outra das grandes razões porque "qualquer um" consegue ser informático (e isto é uma afirmação absolutamente discutível) é simplesmente, porque há pouca gente para a quantidade de trabalho que existe. Claro que também se pode dizer que, se os informáticos trabalhassem melhor não seriam precisos tantos. Mas o mesmo se pode dizer de qualquer outra profissão, não é verdade? ;-)

O risco relativamente reduzido

A verdade é que "saldos bancários, impostos, cobranças" dificilmente se podem comparar, em termos de responsabilidade com "pilotar um avião cheio de gente", "abrir a caixa torácica de um paciente", "construir um edifício público". Convém pormos as coisas em perspectiva. Os informáticos produzem sistemas complexos e que manipulam informações importantes, sem dúvida. Mas os sistemas são testáveis antes de entrarem em produção e só muito raramente um sistema de informação disfuncional provoca mais do que perdas de tempo ou dinheiro. Ora um contabilista é, de uma forma geral um agente do Fisco, e o Estado fica mais descansado se ele for escolhido a dedo. Um electricista pode por-nos a vida em perigo se não fizer uma instalação correcta. E um arquitecto tem que nos dar a todos uma garantia mínima que não vai fazer edifícios que nos caiam em cima.

A iliteracia informática

Os Romanos costumavam dizer, com muita razão "Caveat emptor!"*.

Os compradores menos experientes de serviços de TI oscilam frequentemente entre a confiança cega no poder milagroso "dos computadores" e a desconfiança absurda nos informáticos. A ideia de que as TI são um caos é muitas vezes derivada de expectativas exacerbadas que só podiam conduzir a uma grande desilusão. É claro que os informáticos, com as suas conhecidas dificuldades de comunicação e falhas frequentes em muitas outras soft-skills, não fazem correctamente a gestão das expectativas e são grandemente responsáveis por estas situações.

Mas se as TI fizessem parte do curriculum académico obrigatório de toda a gente, talvez a coisa melhorasse. Quem compra, compraria com mais conhecimento. E quem vende seria melhor avaliado.

O caos que gera a ordem

Apesar da sua "indisciplina", a indústria de TI no seu todo é responsável por uma revolução na forma de viver da Humanidade. O mundo hoje está mais organizado e informado do que nunca. As organizações funcionam melhor. As pessoas aprendem melhor. As notícias correm melhor. E a informação está mais democratizada do que alguma vez esteve na História.

Não é um belo caos? ;-)




*"tem cuidado ó tu que compras"

Comentários

Mensagens populares deste blogue

[Off-topic] "Novas" tendências de gestão

Afinal as novas tendências de gestão não são de agora. E as suas consequências também já são conhecidas há muito. Vejam esta carta do Senhor Vauban , Engenheiro Militar e Marechal de França, dirigida ao Senhor Losvois, Ministro da Guerra de Luís XIV, datada de 17 de Julho de 1683. "Monsenhor: ... Há alguns trabalhos nos últimos anos que não acabaram e não acabarão nunca, e tudo isso, Monsenhor, porque a confusão que causam as frequentes baixas de preços que surgem nas suas obras só servem para atrair como empreiteiros os miseráveis, malandros ou ignorantes e afugentar aqueles que são capazes de conduzir uma empresa. Digo mais, deste modo eles só atrasam e encarecem as obras consideravelmente porque essas baixas de preços e economias tão procuradas são imaginárias, dado que um empreiteiro que perde, faz o mesmo que um náufrago que se afoga, agarra-se a tudo o que pode; e agarrar-se a tudo, no ofício de empreiteiro, é não pagar aos fornecedores, pagar baixos salários, ter os piores

Conferência Europeia da Comunidade Alfresco

Já foi há quase quinze dias, mas julgo que ainda será relevante abordar a Conferência Europeia da Comunidade Alfresco, que decorreu em Barcelona no dia 22 de Abril. Com uma audiência de mais de 200 pessoas (a sala reservada estava cheia) vindas de vários pontos da Europa, este evento serviu para que muita gente desta comunidade se encontrasse pela primeira vez face a face. A Alfresco Inc. é uma empresa recente, que apostou em criar uma solução de gestão documental de topo de gama usando o modelo open-source . Considerando que a empresa, no seu terceiro ano de actividade, já atingiu o break-even , parece ter sido uma boa aposta. No arranque da conferência esteve John Powell, CEO da empresa, que falou um bocado sobre a excelente evolução da empresa e abordou a "guerra" entre o modelo de negócios proprietário e o modelo de código aberto. Exemplificou este conflito com o Microsoft SharePoint, que ele designou como "a morte da escolha", justificando o epíteto pelo facto

O que é uma POOL ?

Tenho andado a fazer implementações de mecanismos de pooling em Java 2 Enterprise Edition. Como me parece um conceito algo lato tentei a abordagem do dicionário. Alguns mostram que de facto a palavra é usada para muita coisa. A definição mais comum é "piscina". A que mais me agradou foi o que descobri na wikipedia , onde pooling é apresentada como uma técnica para guardar qualquer coisa que já não é necessária em determinado sitio (a que se chama pool ) com o objectivo de a usar quando necessário optimizando assim a utilização de recursos disponíveis. Partindo para a computação, existem vários tipos de pools: Thread Pool - Conjunto de threads livres que se vão adicionando a um fifo quando não necessárias e retirando quando se quiserem usar. Memory Pool - Conjunto de blocos de memória, todos da mesma dimensão, que se alocam inicialmente e usam à medida que necessário garantindo que o tempo de alocação de memória é constante e a fragmentação minima. Connect