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A Base de Dados da Ruína

Há umas semanas, Paul Ohm deixava na Harvard Business Review um apelo às empresas para que não construíssem a "Base de Dados da Ruína". As grandes empresas, no seu esforço de competição, acumulam cada vez mais dados sobre os indivíduos. Dados que compilam dos seus serviços ou que adquirem a quem os tem para vender. Neste esforço, todos os dados parecem importantes e necessários, mas a verdade é que aumenta o risco de virem a ser divulgados factos embaraçosos ou que que as pessoas queriam manter em segredo. Chegado a certo ponto, a divulgação ou uso dos factos acumulados numa dessas bases de dados podem causar muito mal à pessoa, daí a designação de "Base de Dados da Ruína".

Vem isto a propósito do Decreto-Lei  198/2012 de 24 de Agosto, que estabelece a obrigatoriedade de todas as empresas nacionais entregarem mensalmente a lista detalhada de todas as facturas que emitiram a cada um dos seus clientes.

O actual ministro das finanças é um homem com pouca experiência prática, sabemos bem. Há quem diga que, para tamanha inexperiência, poder a mais pode ser fatal - o síndrome de aprendiz de feiticeiro, e coisas assim. A forma como ele tem vindo a lidar com diversos dossiers do ministério, demonstra bem como pode ser perigoso tanto poder em mãos inexperientes, principalmente quando se acrescenta à equação o factor arrogância.

O Decreto-Lei 198/2012 implica a construção de uma base de dados que nunca devia existir.

Este Decreto-Lei obriga o Ministério das Finanças a armazenar informaticamente registos detalhados de todos os negócios feitos por todas as empresas portuguesas, independentemente de merecerem ou não investigação por parte do fisco.

Para as empresas que gostam de jogar sujo, esta base de dados terá um valor inestimável. Com alguns euros por baixo de uma qualquer mesa poderão conseguir facilmente a lista de clientes de qualquer concorrente. Basta conhecer alguém nas finanças, que esteja atrapalhado de dinheiro (qualquer um) e que tenha perdido a vergonha (uma minoria, certamente, mas fácil de encontrar). Não só será fácil obter a lista de clientes como será perfeitamente viável obter a lista de produtos e serviços vendidos.

Imaginemos uma situação: a empresa B, qua factura dezenas de milhões por ano, está a passar dificuldades por causa da conjuntura económica. Um dos seus directores, à procura de subir na carreira, decide tomar a iniciativa: conhece alguém no ministérios da finanças, alguém com acesso aos dados de facturação de qualquer empresa. Escolhe 3 ou 4 médios concorrentes e a troco de umas centenas de euros, consegue vários megabytes de informação sobre os seus negócios. Com esta informação, em conjunto com o departamento comercial, estabelece uma estratégia de dumping de preços junto dos clientes dos seus concorrentes. Não é preciso muito: basta cortar 20% nos preços dos concorrentes, dar-lhes cabo da margem, e levá-los à falência um por um. No negócio da empresa B, este dumping nem se nota. São "descontos comerciais" e os vendedores nem sequer sabem porque é que o director trata aqueles clientes de forma especial.

O que é que o ministro das finanças ganhou com isto? Ao contrário do que ele costuma fazer com os empresários, não vamos assumir que ele está a fazer isto de propósito para ter ganhos pessoais. Assumamos apenas que o ministro quer ter o poder de saber, em qualquer altura, o que anda uma empresa a fazer. Quer poder cruzar os dados dessa empresa com os dados de outras e ver se não há falcatruas.

Os fins justificam os meios?

Por mais justo que seja procurar combater a fraude fiscal, não se pode atropelar o direito ao sigilo comercial nem pôr em risco, desnecessariamente, milhares de empresas sujeitas à concorrência desleal de corporações corruptas e corruptoras.

Os fins não justificam os meios.

Os prejuízos que potencialmente se causarão às empresas são muito superiores aos ganhos potenciais obtidos para o Estado. Porque, recorde-se: o Estado já possui mecanismos (através do SAFT-PT) para auditar de forma expedita qualquer empresa. Com este Decreto-Lei o ministro institucionaliza a devassa, absolutamente desnecessária e altamente prejudicial.

Este Decreto-Lei deveria ser revogado, e o nosso ministro das finanças devia sair da sua zona de conforto para começar a trabalhar com mais respeito por quem lhe paga o vencimento todos os meses.

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